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passado, passado a limpo
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PASSADO, PASSADO A LIMPO
(antes que o tempo passe tudo a raso)
Autora:
Glaucia Maria de Castilho Muçouçah
Brandão
Penápolis - 1989/90
Ainda
que no ano de 1767, D. Luiz Antonio Botelho
de Souza Mourão, capitão da
Província de São Paulo, tenha
mandado localizar moradores junto ao Salto
do Avanhandava e no bairro do Degredo, estes,
não são tidos como desbravadores
ou primeiros habitantes da região,
por não possuírem características
permanentes de ocupação.
A história da região noroeste
se inicia a partir do ano de 1842, quando
se estabeleceram na região do Avanhandava
os primeiros povoadores procedentes de Minas
Gerais e da cidade de Descalvado (que de
sua sesmaria (doada por D. Pedro I) faziam
incursões ao território desde
o ano de 1826) .
Nos anos de 1838 e 1839, uma estrada sertaneja
aberta pelo mineiro Joaquim Francisco Lopes
- que ligava Piracicaba a Cuiabá
- serviu de picada a alguns de seus conterrâneos
Pinhuienses que, devido a decadência
econômica de sua província
de origem-causada pelas revoluções
liberais - a trilharam para se fixarem nos
Campos do Avanhandava, local que lhes atraiu
por permitir a manutenção
de sua atividade tradicional, o pastoreio,
e pela fertilidade de suas margens, para
o plantio de suas lavouras de subsistência.
Esses contingentes humanos apossaram-se
de centenas de glebas devolutas, esparsamente,
formando pequenos bolsões de um povoamento
descontínuo e escasso: à margem
direita do Tietê, estabeleceu-se a
família de Alexandre José
de Castilho que, juntamente com outros desbravadores,
fundaram o Patrimônio do Carmo do
Avanhandava (futura Colônia Militar);
à margem esquerda do Tietê
e nas duas margens do ribeirão Lajeado,
o português José Antonio de
Castilho, a família Goulart, os Pereira
Dias e os Pinto Caldeira que fundaram o
Patrimônio de Nosso Senhor dos Passos
(no entroncamento das estradas que levavam
às suas fazendas) - sítio
urbano inicial da Colonização
da Noroeste Paulista e da fundação
da cidade de Penápolis e de outras
importantes cidades da região, já
que, o território no ano de 1842,
era considerado inóspito e figurava
nos mapas como "Terrenos (ou Sertão)
Desconhecidos", pestilento e só
habitado por índios e animais selvagens;
e, finalmente, a família de Maria
Francisca do Carmo (ou Maria Chica) e o
esposo Isaías Duque Frutuoso e os
irmãos Alexandre (segundo marido
de Maria Chica), Manoel e Joaquim Ferreira
de Souza que estabeleceram-se do lado esquerdo
do córrego que hoje leva o seu nome
e em cujas margens seria, em 1908, fundada
a cidade de Penápolis.
Nos Patrimônios foram erguidas algumas
edificações como um Cruzeiro,
ao redor do qual surgiram as casas de pau-
a- pique, uma capela e um cemitério.
Nas fazendas, as sedes inicialmente também
eram de pau a pique e cobertas de sapé.
Havia outras construções como
a casa da farinha de mandioca e do polvilho;
o engenho para a fabricação
do açúcar mascavo e da rapadura;
o monjolo para pilar os mantimentos como
arroz, milho, café e outros e os
currais feitos de toros roliços de
aroeira ou ipê, com varas horizontais,
além dos chiqueiros de porcos com
cerca de trincheira deitada. As fazendas
eram reúnas e o gado pastava marcado
apenas com a sigla de seus donos. Seus hábitos
eram gregários e o sistema era o
de ajuda mútua nos serviços,
ou sistema de mutirão. Os desbravadores
viviam assentados em uma economia natural,
produzindo em suas lavouras tudo o que necessitavam
para o seu sustento (sem a preocupação
de gerar excedentes para o mercado), por
isso utilizavam-se somente dos campos, respeitando
as florestas, domínio dos índios,
daí a convivência pacífica
por quarenta e quatro anos com os primitivos
habitantes destas terras.
A partir de 1850, porém, novas correntes
de ocupação, desta vez procedentes
de Botucatu e arredores, passaram a invadir
o restante das terras e povoando o território
genéricamente denominado "Região
do Bauru". Esses grileiros vão
provocar conflitos ao tomarem a terra dos
índios que, por sua vez, responderão
com resistência e hostilidade.
Às pressões dos proprietários
e aos interesses do Estado para proteger
as localidades ocupadas por "gente
civilizada, laboriosa e útil ao país"
- requisitos efetivamente não preenchidos
pelos grupos indígenas na perspectiva
do capitalismo - faz com que a presidência
da Província oficialize a repressão,
mesmo com os proprietários já
usando das ações armadas das
Dadas, comandadas por bugreiros.
Souza Martins estabelece dois momentos significativos
para essa zona pioneira:
-O primeiro denominado Frente
de Expansão "quando ainda os
participantes ( posseiros) dedicam-se à
própria subsistência e secundáriamente
à troca (. . .) foi esse tipo de
economia que prevaleceu no Oeste de São
Paulo (. . .) "e, principalmente nos
Campos do Avanhandava.
-Mais tarde, num segundo momento,
entra em cena a Frente Pioneira (1880/90
até a década de 1910) :Após
os levantamentos feitos pela Comissão
Geográfica e Geológica Brasileira
das características e potencialidades
do "Sertão Desconhecido",
que revelava a fertilidade de suas terras
para o plantio do café e, com o aumento
do volume do comércio do café
na Europa e Estados Unidos é que
a ocupação se instala como
empreendimento econômico e colonizador.
Grandes lavouras cafeeiras são implantadas
por essas frentes de conquista. Em função
delas surgem as empresas ferroviárias,
comerciais e bancárias; os vultuosos
empréstimos dos capitais ingleses
para comprar, vender e financiar a produção;
imobiliárias loteiam terras promovendo
a imigração estrangeira, enfim
estava, a partir deste momento, consolidada
a incorporação do território
ao capitalismo.
Nessa segunda metade do século XIX,
o comercio mundial entrando num grande ritmo
de crescimento (não há mais
troca de produtos; o capital se apropria
da própria produção
em nível mundial: daí o seu
crescimento desenfreado) passa a exercer
influência sobre a economia de países
onde o desenvolvimento do capitalismo era
muito fraco, criando condições
para esse desenvolvimento, como no caso
do Brasil.
A generalização do consumo
do café no mundo gerou uma intensa
revolução econômica
além de modificações
na estrutura social do país; o escravo
africano foi substituído pelo imigrante
europeu na produção e foi
mudado também o estatuto que regia
a propriedade fundiária (a partir
de 1850 as terras foram divididas em particulares
e devolutas, sendo que esta última
só poderia ser adquirida por alto
preço) para se cercear o acesso do
imigrante à terra. Ele era pensado
como assalariado (para servir de mão
de obra para os cafeicultores) ou no máximo
como meeiro mas nunca como proprietário.
A ocupação sistemática
da terra por esses empreendedores, transforma
radicalmente a paisagem sócio-econômica
noroestina, submerge os precursores moradores
e gera conflitos com os índios, ignorados
pelas leis e portanto principais vítimas
desse processo de aceleração
traumática do movimento de conquista
que, ora espoliava suas terras, ora tentava
explorar sua mão de obra (não
conheciam o trabalho como exploração
de outrem e sua atividade produtiva não
implicava na alienação de
excedentes para o mercado. Produziam apenas
para a sobrevivência de suas tribos),
ora destruía sua organização
social além de usar de dispositivos
de dizimação, por considerá-los
"atravancadores do progresso".
Os mecanismos de destruição
incluíam além das guerras
biológicas como vírus de sarampo,
varíola e influenza impregnados nas
roupas que traziam dos hospitais de isolamento
de São Paulo e colocavam estrategicamente
nas trilhas dos índios nas margens
do Rio Feio-Aguapey como envenenamentos
das águas dos rios onde pescavam
os seus alimentos e usavam água para
beber e cozinhar, além das organizações
armadas como as "Bandeiras" que
os dizimavam com armas de fogo. O cortejo
das adversidades não termina aí:
nessa época a imprensa paulistana
já criticava o governo do Estado
pelo tratamento dispensado aos índios:
... " concede títulos de honrarias
como Capitão, Alferes, etc ... Mas
os índios pedem segurança,
defesa e justiça e, nesse ponto,
cessa a boa vontade do governo. A única
justiça que os índios poderão
obter desde já é aquela que
brilhou recentemente em várias localidades
do Estado: a ponta das baionetas e o tiro
das carabinas".
Depois de esmagados os Oti-Xavantes e perseguidos
insistentemente os Guaranis, os Caingangues
foram as últimas vítimas do
processo de colonização, principalmente
dos construtores da estrada de ferro Noroeste
que lastreavam seus trilhos pela região,
a serviço dos cafeicultores. Os silvícolas,
e mais precisamente os Caingangues, foram
considerados os algozes da história
por terem revidado aos sucessivos ataques
dos brancos, principalmente em histórica
chacina no ano de 1886, na qual atacaram
inclusive os desbravadores com quem conviveram
amistosamente, por quarenta e quatro anos,
no Patrimônio dos Passos. Esse massacre
fez os seus sobreviventes abandonarem a
região e só retornarem a ela
dezoito anos depois, no ano de 1904, para
reassumirem as suas fazendas e repovoarem
o histórico Patrimônio. Ao
encontrarem uma nova realidade econômica
(o café e imigrantes afoitos), tiveram
que dividir e cercar seus latifúndios,
trazendo agrimensores ao Senhor dos Passos,
e o rábula Bento da Cruz, para registrar
as novas escrituras. Bento da Cruz recebia
seus honorários advocatícios
das viúvas (os maridos morriam primeiro,
vitimados pelo impaludismo e leishmaniose)
em terras o que o fez proprietário
de grande gleba que, depois de valorizar
com algumas benfeitorias (Construiu em seus
30 mil alqueires a primeira estação
para a estrada de ferro NOB; como vereador
e prefeito de Bauru elevou a cidade a categoria
de Distrito; providenciou uma balsa para
o transporte público no Porto Guanabara;
construiu o primeira chuveiro publico, foi
sócio da companhia que loteava terras
na região, etc) e passou a vendê-las
a imigrantes que tinham conseguido juntar
algum dinheiro. Manoel Bento da Cruz adquiriu
juntamente com Eduardo de Castilho e Fernando
Ribeiro de Barros, a fazenda dos herdeiros
de Maria Chica (que também abandonou
a região em 1886, diante do ataque
indígena) e solicitou a Eduardo que
doasse Cem alqueires de sua parte de terras
para nela fundar a cidade de santa Cruz
de Avanhandava, futura Penápolis
(escritura lavrada em 1906) . Procedeu antes
ao desvio do traçado original da
Estrada de Ferro Noroeste - que passava
inicialmente pelo Patrimônio dos Passos
-para esse local e, ao redor de sua estação,
fundou a nova cidade, no ano de 1908, dando-lhe
o nome de Penápolis em homenagem
a Afonso Augusto Moreira Pena, grande incentivador
da cultura cafeeira.
Penápolis passou a ser o nome oficial
da cidade, como se toda a estrutura anterior
estivesse falida e em descrédito.
Doravante valia apenas a história
pós fundação, escrita
pelo político Manuel Bento da Cruz.
Livros
fontes:
O Passado, Passado a Limpo
e
Maria Chica - A Saga de uma Heroína
Autora: Historiadora Glaucia M. de Castilho
Muçouçah Brandão
A
HERÓICA PARTICIPAÇÃO
DAS MULHERES NO DESBRAVAMENTO E COLONIZAÇÃO
DOS SERTÕES PAULISTAS
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